Proteínas Lego Reveladas
Complexos de proteínas autoempilháveis, baseadas em uma única mutação, podem fornecer os “andaimes” para nanoestruturas
Quando a hemoglobina sofre somente uma mutação, esses complexos de proteínas grudam uns nos outros, formando pilhas semelhante a blocos de Lego, em filamentos longos e rígidos. Esses filamentos, por sua vez, prolongam as células vermelhas encontradas na anemia falciforme. Por mais de 50 anos, este era o único exemplo registrado na literatura de uma mutação gerando a formação de filamentos. Segundo o Dr. Emmanuel Levy e seu grupo no Departamento de Biologia Estrutural do Instituto Weizmann de Ciências, conjuntos semelhantes a blocos de Lego provavelmente se formaram com relativa frequência durante a evolução das espécies. Poderia esse método de ‘montagem’ ser comum, ou até de fácil reprodução? A resposta do grupo, publicada recentemente na revista Nature, pode ter implicações tanto na pesquisa biológica quanto nas nanociências.
A hemoglobina e um número considerável de outros complexos de proteínas são simétricos: feitos de unidades idênticas. Como essas unidades idênticas são produzidas a
partir do mesmo gene, cada mutação genética se repete múltiplas vezes no complexo. Mutações que criam remendos aderentes e se repetem em lados opostos do complexo podem induzir as proteínas a se empilharem, formando longas fibras de proteínas. Ao contrário das fibras de proteínas amiloides, os complexos dessas pilhas não mudam de forma, nem se desdobram.
A aderência ocorre porque a mutação substitui um aminoácido, geralmente hidrófilo (atraído pela água), por um hidrofóbico (que repele a água). No ambiente aquoso em que se deslocam as proteínas, as regiões hidrofóbicas preferem interagir umas com as outras, como bolhas de espuma na água.
Em seus experimentos, Levy e seu grupo, que contou com a presença de Hector Garcia-Seisdedos, Charly Empereur-Mot (atualmente no Conservatoire National des Arts et Métiers, em Paris) e Nadav Elad do Departamento de Apoio à Pesquisa Química do Instituto Weizmann, começaram com um complexo de proteínas ultra-simétrico, composto de oito unidades idênticas. Eles seguiram apenas uma regra para executar a mutação das proteínas: Substituir um aminoácido hidrófilo por outro hidrofóbico e “aderente”.
A equipe inicialmente criou uma proteína com três mutações para dois tipos diferentes de aminoácido aderente, e observou o empilhamento em forma de Lego nos dois casos. Nas próximas investigações, a equipe fez experimentos com cada mutação individualmente e descobriu que uma delas era capaz de produzir longos filamentos por conta própria.
Então, seriam as mutações com uma única função – aumentar a aderência da superfície das proteínas – capazes de induzir o autoempilhamento em ‘blocos tipo Lego’? Os pesquisadores promoveram mutações em outras 11 proteínas conhecidas, a fim de formarem complexos simétricos – criando um total de 73 mutações diferentes – e produziram essas mutações em células de levedura de cozinha, acrescentando uma proteína fluorescente para atuar como “rotuladores”, permitindo sua visualização. Em 30 dessas variantes, os pesquisadores observaram comportamentos que sugeriam o autoempilhamento: Cerca de metade deles, se empilharam em longos filamentos, e a outra metade se aglomerou em blocos de forma amorfa, formando ‘focos’.
Se os pesquisadores reproduziram o fenômeno dos filamentos de células falciformes com tanta facilidade nos laboratórios, por que o recurso nunca mais foi visto nas pesquisas biomédicas? Levy propõe duas respostas para esta pergunta: Em primeiro lugar, a equipe revelou que proteínas naturalmente simétricas evoluem para formar aminoácidos extra-hidrófilo em sua superfície, minimizando assim o risco do autoempilhamento. Em segundo lugar – disse Levy – os pesquisadores provavelmente viam mais formações tipo ‘blocos de Lego’ do que imaginavam: “Agora que os pesquisadores sabem que elas podem evoluir tão rapidamente, eles podem encarar os focos com mais atenção e enxergar muito mais formações tipo ‘blocos de Lego’ biologicamente relevantes”. “Além disto” – acrescenta ele – “os filamentos são produzidos com tamanha facilidade na levedura que poderiam ser ótimos candidatos à construção de ‘andaimes’ para nanoestruturas. Nosso estudo foi singular, no sentido de não exigir projetos computadorizados de alta complexidade, ou varreduras em milhares de mutações para descobrir aquela que nos interessava. Simplesmente começamos com uma estrutura existente e descobrirmos uma estratégia simples para induzir a formação de filamentos”.
A pesquisa do Dr. Emmanuel Levy tem o apoio do Fundo para Estudos Pré-clínicos INCPM da Fundação da Família David e Fela Shapell; do Instituto Henry Chanoch Krenter de Imageamento Biomédico e Genômico; do Projeto de Pesquisas Colaborativas Louis e Fannie Tolz; do Laboratório Richard Bar; e de Anne-Marie Boucher, no Canadá. O Dr. Levy ocupa a cadeira de desenvolvimento de carreira Recanati.
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