Reciclagem Genômica: Genes Ancestrais assumem novas funções
Muitas vezes ouvimos falar sobre a grande variedade de genes que temos em comum com outros primatas ou outros seres vivos, mas essas comparações costumam ser um tanto errôneas. “Seres humanos e peixes, por exemplo, compartilham mais de 70% dos genes codificadores de proteínas, mas somente cerca de 0,5% de uma importante classe de genes reguladores – aqueles que geram os chamados RNAs longos não codificadores, ou lncRNAs” – relata o Dr. Igor Ulitsky, do Departamento de Regulação Biológica do Instituto Weizmann de Ciências.
Os lncRNAs (link-RNAs) até recentemente recebiam pouca atenção. Além de haver cerca de 20.000 genes lncRNA no genoma humano – aproximadamente o mesmo número de genes codificadores de proteínas – os lncRNAs recentemente revelaram que funcionam como chaves gerais para uma série de processos biológicos, ativando e desativando genes reguladores, e controlando o destino de células durante o desenvolvimento fetal, assim como a divisão celular e a morte de organismos adultos.
Em um estudo recente publicado na revista Genome Biology, Ulitsky e sua equipe – os estudantes de pesquisa Hadas Hezroni, Gali Housman e Zohar Meir, e os Drs. Rotem Ben-Tov Perry e Yoav Lubelsky – conseguiram identificar uma classe de lncRNAs de mamíferos que evoluiu de genes antigos, assumindo novas funções.
Os cientistas começaram considerando que a evolução é um processo econômico: Se um gene perder sua função, ele pode muito bem ser “reciclado” para finalidades diferentes no âmbito da célula. Os membros da equipe desenvolveram uma série de algoritmos que permitiram encontrar esses genes “reciclados” no genoma dos mamíferos. Primeiramente, eles identificaram quase 1.000 genes que codificam proteínas em galinhas, peixes, lagartos e outros vertebrados não mamíferos, mas não em seres humanos, cães, ovelhas e outros mamíferos. Os cientistas formularam a hipótese de que pelo menos alguns desses genes, depois de perderem sua função de codificação de proteínas, iniciaram a geração de lncRNAs em mamíferos. Ao comparar as “vizinhanças dos genes” nas proximidades dos lncRNAs e dos genes que haviam interrompido a codificação de proteínas, os pesquisadores revelaram que, na verdade, mais de 60 genes lncRNA nos mamíferos – ou 2% a 3% dos lncRNAs compartilhados por seres humanos e outros mamíferos – pareciam derivar de genes ancestrais. A sequência genética de alguns deles era semelhante à dos genes antigos, mas haviam perdido a capacidade de codificar proteínas.
“É difícil descobrir o que fez com que esses genes perdessem seu potencial de codificação de proteínas há mais de 200 milhões de anos, quando os mamíferos evoluíram de seus ancestrais vertebrados” – afirmou Ulitsky. “Mas o fato de que esses genes foram conservados no genoma por tanto tempo sugere que eles têm um papel importante na célula.”
A identificação desses “fósseis” de genes codificadores de proteínas no genoma dos mamíferos irá facilitar estudos adicionais sobre os lncRNAs humanos, e pode ajudar os cientistas, em última instância, a compreenderem o que acontece quando sua função é alterada. Por exemplo, os lncRNAs ajudam a criar diferentes tipos de neurônios no cérebro dos fetos; se falharem ao determinar corretamente a destino desses neurônios, isto poderá contribuir para a incidência de epilepsia. Como os lncRNAs estão envolvidos no controle da divisão celular, o mau funcionamento desses genes pode estar implicado na incidência do câncer. Finalmente, a manipulação dos lncRNAs pode possibilitar o tratamento de determinados distúrbios genéticos.
Ulitsky explica: “Nos últimos anos, descobriu-se que os lncRNAs são fatores importantes na ativação ou repressão de genes relevantes para uma série de distúrbios. Um dia, pode ser possível tratar esses distúrbios focando-se nos lncRNAs de forma a reprogramar as redes de genes reguladores inteiramente. Por exemplo, em um estudo com camundongos, pesquisadores da Faculdade de Medicina de Baylor, em Houston, Texas, advertiram sobre a progressão da síndrome de Angelman, causada por mutações no cromossoma 15 – silenciando um lncRNA específico para desencadear a expressão de um gene por ele reprimido.”
A pesquisa do Dr. Igor Ulitsky tem o apoio do Centro para Jovens Cientistas da Família Abramson; da Rising Tide; e do Sr. e Sra. Gary Leff. O Dr. Ulitsky ocupa a cadeira de desenvolvimento de carreiras em bioinformática Sygnet.
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