Como as Bactérias Dificultam a Quimioterapia

Cientistas descobrem bactérias em tumores pancreáticos que metabolizam uma droga comum

Agora podemos acrescentar mais um motivo às diversas razões pelas quais a quimioterapia muitas vezes não dá resultado. Em um estudo publicado hoje na revista Science, pesquisadores descrevem achados de que determinadas bactérias podem ser encontradas no interior de tumores pancreáticos em seres humanos. Para além disso, algumas dessas bactérias contêm uma enzima que torna inócua uma droga comum utilizada para tratar diversos tipos de câncer, inclusive o câncer de pâncreas. Trabalhando com modelos de câncer em camundongos de laboratório, os cientistas demonstraram como o tratamento com antibióticos combinado com a quimioterapia pode ser significativamente superior ao tratamento somente com a quimioterapia.

A pesquisa foi conduzida no laboratório do Dr. Ravid Straussman, do Departamento de Biologia Celular Molecular do Instituto Weizmann de Ciências, liderado pela aluna de pós-graduação, Leore Geller, e conduzida em colaboração com o Dr. Todd Golub e o Dra. Michal Barzily-Rokini, do Instituto Broad do Massachusetts Institute of Technology. Diversos outros colaboradores prestaram suporte a diferentes aspectos do estudo.

“As bactérias descobertas pelo grupo” – explica Straussman – “vivem no interior dos tumores e até mesmo no interior das células desses tumores. Como o tema é uma novidade no setor, utilizamos inicialmente métodos diferentes para comprovar que havia de fato bactérias no interior dos tumores. Só então decidimos observar os efeitos que essas bactérias causariam na quimioterapia.”

Os pesquisadores isolaram as bactérias de tumores de pacientes com câncer de pâncreas e testaram sua influência na sensibilidade das células de câncer pancreático à gencitabina, a droga da quimioterapia. Na verdade, algumas das bactérias inibiam os efeitos da droga. Investigações adicionais mostraram que essas bactérias metabolizam a droga, tornando-a ineficaz. Os pesquisadores conseguiram encontrar o gene responsável por essa metabolização nas bactérias, o gene conhecido como Citidina deaminase (CDD). Os cientistas demonstraram que o CDD se manifesta de duas formas: uma longa e uma curta. Somente bactérias com o gene CDD do tipo longo são capazes de inutilizar a gencitabina. A droga não exerce efeitos visíveis nas bactérias.

O grupo analisou mais de 100 tumores pancreáticos humanos para comprovar que essas bactérias em particular tinham o CDD longo atuando nos tumores pancreáticos dos pacientes. Eles também utilizaram vários métodos para visualizar as bactérias no interior dos tumores pancreáticos em seres humanos. Trata-se de uma medida crítica, uma vez que a contaminação por bactérias é um problema real nos estudos laboratoriais.

Por mais estranho que pareça, foi uma incidência anterior da contaminação bacteriana que levou Straussman e sua equipe ao presente estudo. O grupo estava em busca de evidências de que células normais no ambiente canceroso contribuem para a resistência contra a quimioterapia. Não obstante aos ensaios com os efeitos de diversas células humanas normais e não cancerosas em relação à sensibilidade das células cancerosas à quimioterapia, os cientistas descobriram uma amostra específica de células cutâneas humanas que tornavam as células cancerosas do pâncreas resistentes à gencitabina. Ao rastrear a causa, a equipe descobriu acidentalmente as bactérias que contaminaram as citadas células cutâneas. “Quase jogamos a amostra fora” – disse Straussman – “mas finalmente, decidimos acompanhar sua evolução.” Depois de revelar como essas bactérias degradavam a droga, a equipe começou a especular sobre outras bactérias com mecanismos semelhantes para anular os efeitos da droga, e se essas bactérias seriam encontradas no organismo humano.

No presente estudo, experimentos adicionais em camundongos de laboratórios com câncer foram realizados com dois grupos de bactérias: as que continham o CDD do tipo longo e as que haviam suprimido esses genes. Somente o grupo com o gene CDD intacto demonstrou resistência quando a droga era dada aos camundongos. Após o tratamento com antibióticos, esse grupo também reagiu à droga da quimioterapia.

Diversas perguntas ainda estão em aberto e Straussman e seu grupo estão agora estudando a presença dessas bactérias em outros tipos de câncer que, caso existam,levantam questões sobre quais seriam os efeitos que essas bactérias teriam sobre o câncer e sua sensibilidade a outras drogas de combate ao câncer, incluindo a nova família de drogas anticâncer imunomediadas.

A pesquisa do Dr. Ravid Straussman tem o apoio do Fundo Dr. Dvora and Haim Teitelbaum; do fundo de doações Hymen T. Milgrom Trust; da fundação Rising Tide; e do Sr. e Sra. Andrew R. Morse. O Dr. Straussman ocupa a cadeira de Roel C. Buck no setor de Desenvolvimento de Carreiras.