Science Tips 98 – Mudança de posição: a traição de um gene anti-câncer

Mudança de posição: a traição de um gene anti-câncer

Habitualmente, os generais de um exército não mudam de lado a meio de uma guerra, mas quando o câncer está sendo atacado, isso pode fazer com que um gene que atua como principal defensor do corpo se filie à oposição. Conforme recente- mente relatado em Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), investigadores do Instituto Weizmann de Ciência descobriram que a traição desse gene pode ocorrer de mais maneiras do que as consideradas anteriormente.

Os efeitos do p53 em fibroblastos associados ao câncer na migração de células cancerosas: As células cancerosas (magenta) migram na direção de fibroblastos associados ao câncer (amarelo) que expressam um gene de p53 não mutante (esquerda); essa migração é mais lenta (centro) quando o p53 nos fibroblastos é silenciado; quando as substâncias liberadas pelos fibroblastos associados ao câncer são adicionadas à placa de Petri, a migração é restaurada (direita)

Todas as células têm esse gene, conhecido como p53. Esse gene normalmente desempenha um papel central na proteção do corpo contra a malignidade, orquestrando as defesas da célula contra o câncer e frequentemente matando uma célula potencialmente cancerosa, caso elas falhem. Em cerca de metade de pacientes oncológicos, o gene p53 existente nas células cancerosas contêm alterações – mutações – que podem resultar na produção de uma proteína p53 que não só é incapaz de suprimir o câncer, mas que pode inclusive iniciar atividades que promovam o câncer.

Mas para além das células cancerosas, um tumor maligno contém diversas células não cancerosas e elementos de tecido conjuntivo, normalmente designados como “microambiente tumoral”. Nas fases iniciais do desenvolvimento do câncer, o microambiente é hostil ao tumor. O Prof. Moshe Oren, do Departamento de Biologia Celular e Molecular, e outros cientistas constataram em estudos anteriores que o p53 das células do microambiente contribui para esta hostilidade, ao bloquear a disseminação do câncer. “Normalmente essa campanha de proteção funciona, caso contrário as pessoas teriam câncer com muito mais frequência do que realmente têm”, disse Oren.

À medida que o câncer progride e se torna mais maligno, o microambiente tumoral muda gradualmente. Os cientistas se referem a esse processo como “educação”:  o tumor em desenvolvimento está assumindo o controle do microambiente, ensinando-o a promover o câncer, ao invés de restringi-lo.

Entre as células controladas estão os fibroblastos, que fornecem o “cimento” estrutural ao tecido. Inicialmente, elas ajudam a recrutar células imunes contra o câncer, mas depois começam a liberar substâncias que promovem o crescimento, a invasão e a sobrevivência do tumor. Nessa fase, essas células são chamadas “fibroblastos associados ao câncer”.

O novo estudo, realizado no laboratório de Oren em colaboração com colegas do Instituto Weizmann, mostra que a “educação” do microambiente – um termo mais apropriado seria provavelmente “lavagem cerebral” – é parcialmente direcionada ao p53 dos fibroblastos. À medida que o câncer cresce, o p53 nos fibroblastos muda de lado. Apesar de o p53 nos fibroblastos associados ao câncer não sofrer mutações tal como ocorre nas células cancerosas, mesmo assim é alterado de uma maneira que faz com que deixe de restringir e passe a apoiar o câncer.

No estudo, liderado pela investigadora pós-doutorada Dra. Sharatj Chandra Arandkar, em colaboração com o colega de departamento Prof. o Prof. Yosef Yarden e o Dr. Igor Ulitsky do Departamento de Regulação Biológica, os investigadores mostraram que a eliminação da proteína p53 dos fibroblastos associados ao câncer ao silenciar os genes do p53 fez com que essas células perdessem muitas das suas características de apoio ao tumor e se comportassem mais como fibroblastos normais. Particularmente, o silenciamento do p53 dos fibroblastos reduziu a migração de células cancerosas adjacentes em uma placa de Petri – uma mudança essencial, considerando que a migração invasiva facilita a disseminação metastática do câncer. Além disso, o silenciamento do p53 em fibroblastos associados ao câncer reduziu con- sideravelmente a capacidade dessas células de estimularem o crescimento do tumor em camundongos.

Os autores do estudo incluem os Drs. Noa Furth, Yair Elisha e Nishanth Belugali Nataraj do Weizmann, bem como do Instituto de Farmacologia Clínica Dr. Margarete Fischer-Bosch em Stuttgart, Alemanha: Prof. Walter Aulitzky e o Dr. Heiko van der Kuip, em memória do qual essa publicação foi dedicada.

Encontrar maneiras de “reeducar” o p53 traidor no microambiente tumoral – de forma a inverter o seu comportamento para que volte a suprimir tumores – poderá abrir caminho para o desenvolvimento de terapias originais direcionadas ao microambiente, ao invés das próprias células cancerosas. Na verdade, nos últimos anos estratégias direcionadas ao microambiente canceroso estão sendo cada vez mais exploradas. A esperança é de que possam fornecer uma nova janela de oportunidade para lançar uma terapia eficaz, pois o microambiente tende a evoluir mais devagar do que as células tumorais que apresentam mutações.

A investigação do Prof. Moshe Oren
é apoiada pelo Centro Integrado de Câncer Moross (Moross Integrated Cancer Center), do qual é presidente; Rising Tide; o Fundo Familiar Comis- aroff (Comisaroff Family Trust); a Fundação Pearl Welinsky Merlo (Pearl Welinsky Merlo Foundation); o Fundo de Investigação de Progresso Científico (Scientific Progress Research Fund); a Fundação de Investigação Médica Dr. Miriam and Sheldon G. Adelson (Dr. Miriam and Sheldon G. Adelson Medical Research Founda- tion); e o Fundo de Investigação sobre Câncer Joel e Mady Dukler (Joel and Mady Dukler Fund for Cancer Research). O Prof. Oren é o responsável pela Cadeira Professoral Andre Lwoff de Biologia Molecular.