Um estudo sistemático que descobriu diversos mecanismos de defesa e imunização novos e incomuns de bactérias poderá levar a novas ferramentas biotecnológicas.
Até uma década atrás, os cientistas não tinham ideia de que as bactérias possuem sistemas imunológicos complexos – isto é, que estas eram capazes de manter o ritmo evolutivo em relação aos vírus que as infectam, os chamados fagos. Esse cenário mudou com a descoberta daquele que é atualmente o mais conhecido mecanismo imunológico das bactérias: CRISPR. Os cientistas chegaram à conclusão de que o CRISPR é um editor natural de genes, o que revolucionou o mundo da pesquisa biológica em milhares de laboratórios em todo o mundo. Os pesquisadores agora compreendem que a maioria dos micro-organismos tem sistemas imunológicos sofisticados, dos quais o CRISPR é um mero elemento; entretanto ainda não se chegou a um método eficaz para identificar esses sistemas. Em um estudo sistemático de grande porte, o Prof. Rotem Sorek e sua equipe no Instituto Weizmann de Ciências agora revelaram a existência de 10 mecanismos de defesa e imunidade anteriormente desconhecidos nas bactérias. “O sistema que descobrimos não é semelhante a nada que já havíamos visto antes” – disse Sorek. “Entre eles, porém, acreditamos que haja um ou dois que possam ter o potencial de aumentar as funcionalidades de edição de genes, e outros capazes de indicar as origens do sistema imunológico humano". Os resultados do estudo foram publicados recentemente na revista Science.
As bactérias não dependem somente do CRISPR na guerra contra os fagos – explicou Sorek, membro do Departamento de Genética Molecular do Instituto. Na verdade, diversos fagos têm proteínas “anti-CRISPR” que cancelam a ação do CRISPR, o que sugere que outros sistemas assumem a função. Sorek e sua equipe começaram sua pesquisa sobre esses sistemas, criando um programa de computador que faz uma varredura em todos os genomas de bactérias que já foram sequenciados – cerca de 50.000 genomas no total. Em vez de procurar sequências com características predefinidas, os algoritmos que a equipe gerou busca “assinaturas estatísticas” de genes envolvidos na defesa – por exemplo, sua localização nas “ilhas de defesa” em que genes relacionados à defesa se posicionam lado a lado. Então, como os genes do sistema imunológico raramente atuam isoladamente – mesmo nas bactérias – os pesquisadores desenvolveram métodos analíticos computadorizados complexos para poderem compreender os genes que unem suas forças e trabalham em conjunto para compor o sistema de defesa.
Uma vez triados os possíveis genes de defesa entre milhões, isolando algumas centenas, os pesquisadores precisavam testar os mecanismos candidatos que haviam identificado. Em vez de tentar isolar as sequências genéticas de centenas de bactérias diferentes, a equipe recorreu à biologia sintética, organizando os genes em sequências lógicas. Eles enviaram as sequências de códigos genéticos – cerca de 400.000 bases ou “letras” de códigos genéticos no total – a um laboratório comercial, onde dezenas de sistemas multigenes diferentes foram sintetizados para os ensaios. Esses sistemas sintéticos foram inseridos em bactérias de laboratório cujos sistemas imunológicos naturais haviam sido desativados. As bactérias foram então expostas a fagos e outros elementos infecciosos para verificar se o sistema de defesa transplantado seria viável. Entre os diversos sistemas examinados pelos pesquisadores, dez protegeram fortemente as bactérias do laboratório contra as infecções, identificando-os assim como novos sistemas imunológicos de defesa.
Sorek disse que, entre as diversas etapas da análise computadorizada e do experimento, o estudo exigiu o esforço intensivo de seis pessoas trabalhando no laboratório por dois anos. O estudo foi conduzido pelas Dras. Shany Doron e Sarah Melamed, com participação intensiva de Gal Ofir, da Drª Azita Leavitt, da Drª Anna Lopatina e do Dr. Gil Amitai. A equipe também mantinha reuniões quinzenais – o “conselho de defesa” -, para discutir as diversas ramificações da pesquisa e os mecanismos de defesa que haviam descoberto.
Os pesquisadores ainda não sabem como os novos sistemas imunológicos das bactérias funcionam, e alguns deles, segundo o Prof. Sorek, “parecem manter funções surpreendentes, que estamos agora começando a investigar". Um desses sistemas contém domínios do Receptor de Interleucina tipo Toll (Toll-Interleukin Receptor – TIR). Já era sabido que os domínios de TIR teriam uma função nos sistemas imunológicos – mas até então, não se sabia que atuavam também em micro-organismos. Esses domínios são parte integrante do sistema imunológico humano e até mesmo das plantas, mas nunca haviam sido vistos em funções de defesa antivírus de bactérias anteriormente. “Nossas constatações comprovam que algumas das partes mais importantes do nosso próprio sistema imunológico têm raízes evolutivas profundas em mecanismos imunológicos de bactérias” – disse Sorek.
Outros genes parecem ter sido “emprestados” de sistemas bacteriológicos não defensivos. Um deles, por exemplo, é conhecido nos flagelos que as bactérias utilizam para se deslocar em meio líquido. Esses genes abastecem os flagelos com energia, permitindo que absorvam prótons; um dos sistemas de defesa descobertos no laboratório de Sorek utiliza esses genes como proteção contra os fagos. Outro gene descoberto, conhecido como condensin, costuma proteger o DNA durante a divisão celular, e os pesquisadores descobriram um sistema de defesa que utiliza componentes do mecanismo dos condensins para proteger as bactérias contra invasões de plasmídeos – minúsculos anéis de DNA que atuam como parasitas nas células bacterianas.
“O fato de termos conseguido encontrar 10 novos sistemas de defesa bacteriológica implica que há mais deles que ainda não conhecemos" – disse Sorek. “Meu laboratório continua em busca de novos sistemas. Além disto, estamos começando a nos concentrar em vários mecanismos mais promissores, a fim de compreendermos como funcionam”.
Sorek disse que as novas descobertas são empolgantes, devido às novas oportunidades que abrem em relação à evolução dos sistemas imunológicos e à eterna batalha entre os vírus e os organismos que eles infectam. Entretanto, ele também acredita que alguns deles podem se tornar poderosas ferramentas para a pesquisa biológica: “Todo sistema imunológico, por definição, tem o foco nos elementos invasores, de forma bastante específica, porém flexível, e podemos utilizar esse foco para fins biotecnológicos – como fizemos com o CRISPR e com as enzimas restritivas antes dele. Qualquer um dos novos sistemas que descobrimos pode se tornar a próxima ferramenta de edição de genes – ou talvez até a base para ferramentas moleculares ainda mais úteis” – disse Sorek.
A pesquisa do Prof. Rotem Sorek tem o apoio da Fundação da Família de David e Fela Shapell; do Fundo INCPM para Estudos Pré-clínicos; do Instituto de Medicina Molecular Y. Leon Benoziyo; do Centro de Proteômica Estrutural Dana e Yossie Hollander; da Fundação Abisch Frenkel de Fomento às Ciências Naturais; do Consórcio Beneficente Leona M. e Harry B. Helmsey; de Martin Kushner Schnur; e do Conselho Europeu de Pesquisa.