Pesquisadores identificam “células de localização social” no cérebro que reagem à localização de outras pessoas no ambiente espacial
Tanto faz se estamos jogando um esporte em equipe ou somente passeando com nossa família pelo parque; estamos constantemente cientes do posicionamento das pessoas ao nosso redor – e para onde cada uma delas está se dirigindo. Nas últimas décadas, os cientistas têm destacado neurônios conhecidos como “células de localização” em nosso cérebro, que codificam nossa própria localização no ambiente; a forma como nosso cérebro representa o posicionamento de outras pessoas, entretanto, sempre foi um mistério. Novas pesquisas do Instituto Weizmann de Ciências com morcegos, publicadas hoje na revista Science, revelam uma subpopulação de neurônios que codificam a localização específica de outros morcegos voando nas redondezas.
“Os morcegos, assim como os seres humanos, são animais sociais; eles são exímios navegadores e têm total consciência do seu ambiente espacial" – disse o Prof. Nachum Ulanovsky do Departamento de Neurobiologia do Instituto, líder do estudo. A pesquisa de Ulanovsky com morcegos frugívoros no Egito concentra-se nas células de localização, encontradas na região do cérebro conhecida como hipocampo. Essas células, que ajudam seres humanos e outros mamíferos a navegar seu ambiente através da formação de mapas cognitivos internos, renderam aos seus descobridores um Prêmio Nobel em 2014. Uma pesquisa mais recente sugere que o hipocampo também pode ter um papel na interação social. Assim, Ulanovsky e sua equipe, incluindo o Dr. David Omer, a Drª Liora Las e Shir Maimon, levantou a questão sobre como essas duas funções, de localização e social, podem formar uma interseção nessa parte do cérebro. Ulanovsky e sua equipe desenvolveram uma situação experimental, para fins de aprendizagem, em que dois dos morcegos do seu exclusivo “laboratório de morcegos” – um “professor” e um “aluno” – formaram um par. O aluno primeiramente observou como o professor voava aleatoriamente em direção às “barracas de frutas”, posicionadas no laboratório, e de volta ao poleiro. Passados 13 segundos, em média, o aluno passava a rastrear a rota do professor até a comida.
Para descobrir o que acontecia no cérebro dos morcegos, cada animal era equipado com um dispositivo de gravação sem fio em miniatura, chamado de gravador neural, e minúsculos eletrodos que permitiam aos pesquisadores registrar a atividade de cerca de 400 células cerebrais na região frontal do hipocampo. Esses minúsculos eletrodos e o dispositivo de gravação, que foram desenvolvidos por Ulanovsky e sua equipe em anos de estudos, não interferiam nas atividades do morcego. “A parte mais desafiadora dos experimentos foi desenvolver meios de evitar que dois morcegos voassem ao mesmo tempo, pois era preciso que um ficasse pousado para podermos diferenciar as células próprias das células de outros locais” – disse Ulanovsky. “O segredo era identificar os machos alfa do grupo e torná-los os professores – o que faria com que os alunos respeitassem os professores e não alçassem voo ao mesmo tempo que eles.”
Os resultados do experimento suportam a ideia de que nosso cérebro gera um mapa cognitivo, não apenas para nos localizar no ambiente, mas também para abranger um mapeamento social. Quando o morcego aluno voava para o laboratório por conta própria, suas células de localização permaneciam naturalmente ativas. Entretanto, quando ficavam pousados e observavam os morcegos professores, cerca de 18% das células de seu hipocampo representavam o posicionamento do outro morcego – ou seja, tornavam-se ativas quando o professor voava em determinado trecho do espaço. Análises adicionais sugeriam que cerca de metade dessas células atuavam de forma alternada, como células de localização normais que localizavam o outro morcego, enquanto as demais células reagiam apenas à localização do outro morcego.
Sensores de movimento que rastreavam o movimento da cabeça dos morcegos alunos comprovaram que esses movimentos não afetavam a atividade das células em relação à localização social. Outro conjunto de experimentos tratou da questão dos traços realmente sociais da subpopulação de células que os pesquisadores haviam identificado. Os cientistas mantinham os morcegos alunos observando objetos em movimento – bolas ou dados — seguindo pelo mesmo trajeto que os professores haviam seguido nos experimentos anteriores, com ou sem recompensas no final do percurso. Os objetos também foram representados no hipocampo, entretanto houve uma clara distinção entre estes últimos e as células que disparavam impulsos elétricos em reação a outros morcegos. Uma análise da anatomia funcional das células demonstrou uma separação espacial entre as áreas do hipocampo que mapeiam objetos ou outros animais.
Em conjunto com um estudo semelhante conduzido com camundongos por cientistas do RIKEN, também publicado hoje na revista Science, essa pesquisa abre uma porta para algumas novas questões relativas às células de localização social. Por exemplo: Como essas células atuam em um “contexto social” com diversos participantes? Sua atividade depende da relação entre outros animais ou do gênero desses animais? Ulanovsky: “Essas descobertas sugerem que a parte do hipocampo que lida com a “localização” não está envolvida somente com a navegação pelo relevo físico. Ela exerce um papel importante no relevo social também.”
A pesquisa do Prof. Nachum Ulanovsky tem o apoio do Prêmio Andre Deloro; do Conselho Europeu de Pesquisa; e de Rita e Steven Harowitz.