O “Cérebro em um Chip” revela como o cérebro se dobra


Física e biologia se reúnem em um novo modelo de desenvolvimento cerebral

Nascer com uma “tabula rasa” – tábua raspada em latim, ou uma página em branco – no caso do cérebro, é uma espécie de maldição. Nossos cérebros já são enrugados como nozes no momento em que nascemos. Bebês que nascem sem essas rugas – uma síndrome conhecida como lisencefalia – sofrem sérias deficiências de desenvolvimento e sua expectativa de vida é notoriamente reduzida. O gene que causa essa síndrome ajudou recentemente os pesquisadores do Instituto Weizmann de Ciências a sondar as forças físicas que dão origem às rugas no cérebro. As constatações dos pesquisadores, publicadas hoje na revista Nature Physics, descrevem um método que eles desenvolveram para criar minúsculos “cérebros em chips”, compostos de células humanas que permitem rastrear os mecanismos físicos e biológicos por trás do processo de enrugamento.

Os minúsculos cérebros desenvolvidos no laboratório de células-tronco embrionárias – os chamados organoides – foram descobertos na década passada pelos professores Yoshiki Sasai no Japão e Juergen Knoblich na Áustria. A Profª Orly Reiner do Departamento de Genética Molecular do Instituto disse que seu laboratório, juntamente com diversos outros, adotaram a ideia de desenvolver organoides. Mas o Dr. Eyal Karzbrun, em seu laboratório, precisou acalmar um pouco o seu entusiasmo: As dimensões dos organoides obtidos não tinham nada de uniformes; sem vasos sanguíneos, seu interior não mantinha um fornecimento estável de nutrientes e começaram a morrer; a espessura do tecido também não permitia boas imagens ópticas nem uma boa análise  por microscópio.

Então, Karzbrun desenvolveu uma nova abordagem para crescer estes organoides, segundo a qual, o grupo seria capaz de acompanhar o processo de crescimento em tempo real: Ele limitou o crescimento no eixo vertical. Isto gerou um organoide em formato de pão “pita” – arredondado e achatado com um espaço reduzido ao centro. Esse formato permitiu ao grupo gerar imagens do fino tecido à medida que se desenvolvia e também o fornecimento de nutrientes a todas as células. E na segunda semana de crescimento e desenvolvimento dos minúsculos “cérebros”, as rugas começaram a surgir e logo em seguida, a se aprofundar. Karzbrun: “Foi a primeira vez que dobras foram observadas nos organoides, aparentemente devido à arquitetura do nosso sistema.”

Karzbrun é físico por formação, e naturalmente recorreu aos modelos físicos para avaliar o comportamento de materiais elásticos para compreender a formação das rugas. As dobras ou rugas na superfície resultam da instabilidade mecânica – forças de compressão aplicadas a determinadas regiões do material. Desta forma, por exemplo, se houver uma expansão desigual em uma parte do material, outras partes podem ser forçadas a se dobrar, de forma a acomodar a pressão. Nos organoides, os cientistas encontraram instabilidade mecânica desse tipo em dois locais: O citoesqueleto – esqueleto interno – das células no centro do organoide contraído; e no núcleo das células próximas à superfície dilatada. Raciocinando de outra forma, a parte externa do pão “pita” cresceu mais rapidamente do que o seu interior.

Embora essa descoberta tenha sido impressionante, Reiner não se convenceu de que as rugas nos organoides estavam de fato moldando as dobras no cérebro em desenvolvimento. O grupo então gerou novos organoides, desta vez contendo as mesmas mutações que os bebês com lisencefalia apresentam. Reiner havia identificado esse gene – o LIS1 – em 1993, e já investigou sua função no cérebro em desenvolvimento, assim como na síndrome em questão, que afeta um em cada 30.000 nascimentos. Entre outras coisas, o gene está envolvido na migração de células nervosas para o cérebro durante o desenvolvimento embrionário, e também regula o citoesqueleto e os mecanismos moleculares nas células.

Os organoides com a mutação do gene cresceram na mesma proporção que os demais, porém, desenvolveram poucas dobras, e mesmo essas tinham um formato bastante diferente das rugas normais. Trabalhando com a premissa de que as diferenças entre as propriedades físicas das células eram as responsáveis por essas variações, o grupo investigou as células dos organoides com microscópios de força atômica, com o auxílio do Dr. Sidney Cohen do Departamento de Apoio à Pesquisa Química. Conforme as medições de elasticidade, as células normais eram duas vezes mais rígidas do que as células mutadas, que eram basicamente moles. Reiner: “Descobrimos uma diferença significativa nas propriedades físicas das células nos dois organoides, mas observamos uma diferença também em suas propriedades biológicas. Por exemplo, os núcleos dos centros dos organoides mutantes se deslocavam mais lentamente, e percebemos diferenças significativas na expressão dos genes.”

Mesmo antes da data de publicação da matéria, a comunidade científica já demonstrava grande interesse nessa nova abordagem aos organoides em crescimento. “Não se trata exatamente de um cérebro, mas é um modelo bastante razoável de desenvolvimento cerebral,” – disse Reiner. “Agora temos uma compreensão bem melhor do que gera as rugas no cérebro ou, no caso daqueles que sofrem a mutação, o que causa a lisencefalia.” Os pesquisadores planejam continuar desenvolvendo sua abordagem, que acreditam poder levar a novas leituras em relação a outros distúrbios associados ao desenvolvimento cerebral, inclusive a microcefalia, a epilepsia e a esquizofrenia.

Também participaram dessa pesquisa o Prof. Yaqub Hanna, que auxiliou no desenvolvimento das células-tronco embrionárias, e a estudante de pesquisa Aditya Kshirsagar, da equipe de Reiner.

 

A pesquisa da Profª. Orly Reiner tem o apoio do Instituto de Pesquisa de Células-Tronco Helen & Martin Kimmel; do Centro de Doenças Neurológicas Nella & Leon Benoziyo; do Instituto de Genética Médica da Família Kekst; do Fundo de Pesquisa de Células-Tronco Drª Beth Rom-Rymer; da Fundação Dears; do Sr. e Sra. Jack Lowenthal; do espólio de David Georges Eskinazi; e do espólio de Jacqueline Coche. A Profª. Reiner ocupa a cadeira de Bernstein-Mason de Neuroquímica.

O Instituto de Ciência Weizmann, unidade de Rehovot, Israel, é uma das principais instituições de pesquisas multidisciplinares do mundo. Conhecido pela sua exploração abrangente das ciências naturais e exatas, o Instituto conta com o apoio de cientistas, estudantes, técnicos e pessoal de apoio. As iniciativas do Instituto na área de pesquisas incluem a busca por novas formas de combate a doenças e à fome, a análise de importantes questões nas áreas de matemática e ciências da computação, estudos sobre a física da matéria e do universo, a criação de novos materiais e o desenvolvimento de novas estratégias para proteção do meio ambiente.